Dani Nobile

Eu Maratonista

Dia do pedido de noivado

Comecei a correr no final de 2008 e minha primeira prova de 5km foi no início de 2009. Como eu sempre conto, quando passei pela primeira vez na linha chegada vi que queria fazer isso pro resto da minha vida!

Todo mundo que começa a amar a corrida, pensa em distâncias maiores. Se você corre 5km quer correr 10. Se corre 10 quer correr 21. Se faz a meia, começa a pensar na senhora das corridas, a maratona! E claro que eu pensava muito nela! Especialmente porque tenho grandes amigos maratonistas e passei anos babando em suas fotos emocionantes, pensando em como seria maravilhoso conquistar esse objetivo.

Claro que, no meio do caminho, corri a Maratona de São Silvestre, mas ela não fez de mim uma maratonista, pois, pra quem não sabe, a maratona tem 42km e a São Silvestre tem 15km!

Com o passar dos anos, e com algumas meias maratonas nas costas, em 2012 decidi que faria minha primeira maratona em 2013! Estava em dúvida se em Floripa ou Buenos Aires, que são percursos gostosos e não  sacrificantes pra quem vai estrear na distância.

Porém, o sonho foi interrompido em outubro de 2012, quando eu sofri o acidente que causou minha lesão medular e mudou para sempre minha vida.

Eu fiquei 1 ano e meio sonhando em voltar pras provas de corrida. Quem passeia pelo blog faz tempo, já conhece toda a história desses últimos 2 anos. A minha primeira meia maratona com uma adaptação de handbike emprestada. Depois o dia que eu ganhei a handbike e fiz uma prova de 10km, mesmo sem saber usá-la e com o freio do lado da minha mão pior. Depois a primeira meia maratona com a hand, o primeiro pódio, e ainda era uma Golden Four. Depois foram várias meias maratonas pelo país e até fora dele, revendo e conhecendo muita gente maravilhosa.

Depois teve o sonho realizado do triathlon, a ajuda de centenas de pessoas na Campanha Vem Com a Dani, pra troca da handbike, teve triathlon internacional (que eu nem contei ainda pra vocês como foi)…e nada de maratona…

No início desse ano eu comecei a namorar um gaúcho bonitão. Eu já sabia da existência da maratona de Porto Alegre, vários amigos cadeirantes viriam pra prova, mas, antes do boy, o Sul nunca me atraiu muito. A ideia de fazer alguma prova aqui não era arrebatadora. Porém, logo no comecinho do namoro, ele falou sobre fazermos a meia, dentro da maratona, juntos. (Pra quem não sabe, quando faço provas de 5km com a cadeira, ele corre do meu lado. Quando faço meias com a hand, ele vai de bike me acompanhando). Olhei pra ele e falei: “Eu quero fazer a maratona. Você faz comigo?” Claro que ele disse que sim.

A primeira coisa que eu fiz foi falar com meu treinador. Como eu já tinha feito treinos de 50 e 56km no rolo, achamos que a maratona não seria problema, mesmo eu não podendo parar pra ir ao banheiro (como faço quando to no rolo) e mesmo enfrentando algumas subidas na prova.

Pra coroar, a maratona de Porto Alegre seria dia 12 de junho, dia dos namorados. Seria minha primeira maratona e ainda com o boy me dando todo o suporte.

Quem me conhece sabe que meu maior pavor é o frio, pois ele me causa dor neuropática. E a promessa para o fim de semana da maratona era quase nível de congelamento pra mim. O que eu fiz? A tal da aclimatação. Viajei antes pra POA, e treinava na orla do Guaíba à noite, com 9 a 11º, pra acostumar com o frio e com um montão de roupas que eu teria que usar no dia.

Pois o dia chegou e, no domingo acordamos de madrugada, com a maior friaca que eu já senti. Coloquei então minha armadura: 3 calças legging (uma prometia ser térmica, mas mentiu pra mim), 2 meias grossas (uma também fazendo promessas e me iludindo), uma blusa fina de manga longa por baixo do meu uniforme (que eu tinha esperança que aparecesse em algum momento), uma jaqueta, um corta vento, duas luvas e um gorro por baixo do capacete (pra coroar minha beleza de mendiga no dia. Imagina como saí Bela e Recatada nas fotos da prova). Nem assim foi fácil enfrentar a largada de 3º e sensação térmica de -1º. Mas, pelo menos não choveu!

Combinei com o boy e com o treinador que eu faria um ritmo bem confortável nos primeiros 21km e, se sobrasse braço, eu daria uma apertadinha na segunda metade. E foi o que eu fiz. Também levei bastante água comigo e gel, pra não correr nenhum risco. Afinal, apesar de ser um pouco mais fácil fazer a maratona na hand do que correndo, eu não podia correr o risco de quebrar por falta de hidratação ou fome.

Largamos ainda no breu e eu me sentia a pata esquimó, porque tinha umas meninas correndo de sainha. Mas, cada um no seu cada qual. Eu não podia sentir dor neuropática, nem ter as pernas pulando de espasmo pra me atrapalhar a vida.

Na verdade, tive que arrumar meu pé esquerdo várias vezes durante a prova. Qualquer tremidinha por um desnível no asfalto, o pé pulava e entrava na roda ou se retorcia e me machucava. Nessa hora, o boy virou expert em arrumamento de pé! Ele ia bem na minha frente, descia da bike dele e me esperava passar. Eu diminuía o ritmo e ele arrumava meu pé em segundos. Assim eu não precisava frear totalmente a handbile e ter aquela dificuldade básica de retomar a mãodalada do zero.

Ele fez o mesmo nas 4 vezes que minha corrente saiu. E, graças ao boy, eu não tinha nem que me preocupar em abrir o gel com uma mão só e a boca. Ele já me entregava os sachês abertos! Com um apoio desses, só a subida mesmo pra me tirar do foco. Certo? Errado! Afinal, como diria Fê Balster, se tudo dá certo pra mim numa prova, é porque tem algo de errado.

Passei os primeiros 21km tranquila e feliz com meu tempo e achei que passaria ainda viva na linha de chegada. Lá pelo km 30 meu pesadelo começou: vontade de fazer xixi. Enquanto estava só doendo, tava ok. Mas, de repente, comecei a ter espasmos. E ainda faltava bastante pra prova acabar. Como desgraça é bobagem, lá pelo 35 começou a me dar dor de barriga. Aí a coisa ficou feia. Pra quem não sabe, lesado medular não tem controle urológico.  E meu medo era fazer na roupa, no meio da prova. Eu me contorcia de dor, já não sabia o que tava pior, o 1 ou o 2! Eu estava com 2h30 de prova. Apesar de estar com o boy pra me ajudar, não tinha banheiro no meio do caminho pra eu parar. Eu só tinha uma escolha: encontrar o banheiro no fim da prova.

Eu não tinha contado pra ninguém sobre meus planos. Como eu nunca tinha feito uma maratona, não tinha nem noção do tempo. Nos meus melhores sonhos, eu queria fazer em 3h. E se algo desse bem errado, eu coloquei meu limite pessoal pra 4h. Quando eu tava no km30, eu contei isso pro boy. Ele é muito bom de conta e começou a calcular até meu pace ideal e  qual a velocidade que eu tinha que manter, pra fechar a  prova em 3h. Nesse momento que eu tava entre pedalar e voar pro banheiro, ele começou a ditar meu ritmo e disse “se continuar assim, vai dar certo”.

Quando faltavam 5km pra fechar, ele disse “vai sobrar tempo”. Fiquei super feliz e aliviada. Mas faltando 3km, tinha subida. Não desanimei e comecei a pedalar mais forte. A verdade é que queria um banheiro hahahaha  Faltando 2km, eu disse pra ele “Pelo amor de deus, encontre um banheiro assim que chegarmos la”.

Os 2km finais foram muito emocionantes. Tinha familiares do pessoal que estava correndo e a galera que fez 21km, torcendo por nós no fim do percurso. Ouvi muitas palmas e gritos de incentivo. Isso torna tudo ainda mais maravilhoso. Quando avistei a rótula das cuias, pensei “é isso! Acabou”.

Passei pela linha de chegada, olhei pra trás…cadê o boy? Como ele era apoio e tava de bike, precisou dar a volta. A primeira coisa que eu pensava era “onde é o banheiro, meu deus?”. Não deu tempo nem de raciocinar. Saí pela área de escape depois da chegada e o boy me encontrou. Avistamos um banheiro químico do outro lado da grade. Falei pra ele “vai ter que ser ali e agora”. Uma senhora que estava entregando as medalhas se propôs a cuidar da hand pra nós, ele me pegou no colo e desceu o pequeno barranco, rumo à minha salvação.

Só lá no banheiro, sozinha, que a ficha caiu e eu chorei. Depois de tantos anos esperando, sonhando, imaginando como seria, eu finalmente cruzei minha primeira linha de chegada, depois de 42. 195m. Se você me perguntar “foi do jeito que você queria?” Claro que não! No meu sonho, eu fiz a prova toda correndo com as pernas, cruzava  a linha de chegada acabada, com os braços pra cima, pulando de felicidade. Na minha realidade, fiz tudo com os braços, e cruzei a linha de chegada freando a hand, pra não atropelar ninguém. Então, por que não seria do jeito que eu sonhei, eu deixaria de fazer? Eu preferi estar ali de cadeira de rodas do que não estar! Essa é minha escolha!

No dia dos namorados, teve pódio da minha primeira maratona, teve a realização de um sonho, teve o meu amor me apoiando o tempo todo e fechamos a prova em 2h53.

Um mês e meio depois, estava eu, indo pra largada da minha segunda maratona, a Asics City Marathon. Essa?Assunto pra outro post! Qual a próxima maratona? Não sei…ainda não escolhi. Aceito sugestões. Mas só pro ano que vem. Já foi emoção demais pra um ano só, né!