Dani Nobile

Querido diário de alguém com um parafuso a menos

Querido diário,

Hoje to escrevendo pra mim. Uma coisa “Querido diário” mesmo, pra eu guardar aqui e ler na posteridade. Pra não se perder no meio de tantos pensamentos que eu já tive e nunca escrevi, por vergonha de dividir o que eu pensava, o que eu estava passando naquele momento.

Isso já aconteceu pelo menos umas 50 vezes desde que eu sofri o acidente. Vezes que eu queria escrever pra dividir um pouco a carga, mas tinha medo de ser julgada por isso ou aquilo.

Sim, porque é muito fácil julgar! Você lê o que a pessoa escreve no facebook, vê as fotos que ela posta e tira suas próprias conclusões sobre a personalidade dela, as vontades, o caráter, o sonho. Você não pergunta nada disso pra ela. Apenas tira suas conclusões pelo que ela decidiu compartilhar. E nem tudo a gente compartilha, querido diário.

E aí, um dia, por cargas d`água, você conhece a pessoa “tão lida e curtida” pessoalmente. Mas você também não dá a ela tempo pra se mostrar. Em 2 minutos, já a julga. Nem sabe se ela acabou de se emocionar, de se decepcionar, de ter uma notícia triste, de ter uma notícia alegre, se ela viu alguém que a magoou e ficou perdida, se ela viu alguém que ela admira e não teve tempo de dizê-lo. Você simplesmente a olha de cima em baixo e pensa “ela é diferente no facebook”. Mas você esquece que não dá pra ser perfeitinho o tempo todo. A gente tem TPM, a gente chora, a gente fica alegre, fica triste, fica nervoso, se sente gordinha, se sente contente, fica emocionado, perde a razão ou fica sem reação.

Pois é, querido diário. E nessas horas e por esses medos, eu deixei de escrever tantas vezes. Guardei muita coisa pra mim. Sofri calada muitas vezes. Pensei mil caraminholas do meu corpo, da minha lesão, da minha cabeça, dos meus defeitos, de mim mesma…Mas hoje, a vida me deu uma chapuletada. Outra, né?! Mas dessa vez, veio com um taco de beisebol bem no meio da minha cara. E quebrou meu nariz e uns 2 dentes. E eu fico pensando: Por que eu não mereço? E nessas horas afloram todos os meus defeitos na minha cabeça. E eu odeio cada um deles com a mesma intensidade que eu odeio engordar só de pensar em chocolate. Aliás, hoje é um daqueles dias que eu quero muito um chocolate. Um brigadeiro de panela pra comer enrolada no edredom enquanto eu leio, deitada na cama (a cena da perfeição, na minha opinião).

E depois eu parei e pensei: O que eu quero da minha vida? Bom, tem só duas coisas que eu quero. Andar. Ser atleta. Só essas que eu quero e quero muito e quero de verdade. Mas ta foda! Ta difícil. Aí eu penso: vai ver eu não consigo porque Deus ta falando “minha filha, que folgada! Ta querendo ter tudo? Vai ter que escolher só uma. Ou não escolha nada. Quem escolhe sou Eu e Eu vou te dar só uma. Surpresaaaa…”  Será que é por isso que está tão difícil conseguir um resultado positivo, ou um patrocínio pra me dedicar mais e mais ao esporte e conseguir ser atleta de verdade? Ou será que é por isso que minha perna esquerda tá teimosa, meu pé esquerdo tá um bicho-em-coma-de-tanta-preguiça e meu tronco parece que tá mais fraco ao invés de ficar mais forte?

Mas aí, eu não fico falando nada disso pras pessoas, querido diário. Do mesmo jeito que eu não conto que eu não sei como reagir quando, por um acaso, um amigo virtual (ou milagrosamente, um seguidor) aparece na minha frente. Eu não sei o que falar. Eu só sorrio e pisco (aliás, é assim que eu saio em todas as fotos. Um monte de dentes e os olhos fechados).

Do mesmo jeito que não sei o que fazer nem o que falar  quando vou em alguma corrida. Porque ainda é algo tão maravilhosamente espetacularmente maravilhoso (eu já falei maravilhoso?) estar ali, que eu fico pior que criança na Disney, pela primeira vez. Se bem que eu também viraria criança na Disney, porque eu nunca fui. Fico, tipo, deslumbrada! Tipo “to aqui mesmo? Eu vim de novo? De verdade?”. Mas eu não fico contando que eu queria estar correndo com os pés. E que eu coloco fones de ouvido com a música bem alta, porque as passadas dos outros corredores cortam meu coração. Cada passada é uma estocada no meu peito. Mas eu prefiro isso do que não estar ali.

Do mesmo jeito que eu não fico contando que sou estabanada e desorganizada. Que eu vivo derrubando tudo no chão enquanto eu cozinho. Ta bom…enquanto eu faço qualquer coisa!  E que poderia ler muito mais livros e fazer muito mais coisas, se eu conseguisse me organizar. E também poderia dormir mais, se minha cabeça não ficasse funcionando a noite inteira. Aí eu não pareceria um zumbi toda manhã.

Ah, diário, já te contei que toda manhã eu odeio nadar até a hora que eu dou as primeiras 10 braçadas? Pois é…e dá raiva da água fria e algum desavisado diz “jajá você esquenta” porque eu queria tanto tanto tanto esquentar e não esquento. E meus braços doem muito nos primeiros 400 ou 500m. Mas depois eu não quero sair da água nunca mais até virar lodinho.

Ah, outra coisa que não posso ficar contando pra não ser julgada: tem dias que tenho vontade de dormir de conchinha (vááários dias). Mas sem nenhuma intenção. Só um abraço mesmo. E cafuné no cabelo. Não no topo da cabeça, porque eu não sou periquito. É no cabelo mesmo! Igual minhas crianças faziam, enquanto eu corrigia a tarefa delas. Pareço durona. As pessoas dizem que “sou forte”. Mas eu sou uma pata. Eu gosto mesmo é de carinho. Mas já pensou se eu fico falando isso por aí? Aí sim é que vão partir meu coração sem dó.

Sabe, ainda bem que no diário da gente, a gente pode escrever o que a gente quer. Tudo bagunçado mesmo. E fora de ordem. E sem nexo. Nem ligação entre um parágrafo e outro, entre uma frase e outra. Sem coesão nenhuma. Poder escrever tudo que vem na cabeça, sem pensar nem esperar. Tudo de uma vez. Tipo vomitado (que nojo). E sem medo de que me julguem. Só botar pra fora…Porque já passa de meia noite…Quem sabe hoje eu consiga dormir antes das 2h!!