Dani Nobile

A Copa dos Milagres

Gente, essa semana, uns 80 amigos me marcaram em fotos como essa abaixo, onde cadeirantes “milagrosamente” se levantam durante os jogos da Copa do Mundo.

Então, eu resolvi escrever sobre isso, pra mostrar as duas faces desse acontecimento mirabolante.

A primeira face é uma vergonha mesmo. Tem gente que se aproveita da situação e finge que é cadeirante pra comprar ingressos e assistir aos jogos. O povo brasileiro, que acha que passa impune e imune a qualquer coisa e não está nem aí mesmo. Aí eu e meus amigos – todos cadeirantes de verdade –  ficamos desesperados, tentando comprar ingressos pra abertura e não conseguimos, enquanto esse povo “biito”, uma gracinhas de educação, vão lá, compram nossos ingressos e foram à abertura no nosso lugar. Dá vontade de soltar os cachorros, mas eu sou uma lady e não farei isso fora dos meus pensamentos.

Uma amiga cadeirante chegou a entrar numa página de venda de ingressos, onde existia o seguinte anúncio: “vendo brasil x méxico R$ 400,00 cadeirante. E se precisar vendo cadeira de roda tbm por R$150,00. E ainda com laudo da deficiência .” Esse anúncio não é pra acabar com o piqui do Goiás. É pra acabar com o piqui do mundo inteiro, meu deus do céu. Mais pensamentos pra você, querida pessoa criativa que escreveu isso.

Agora, eu vou falar do outro lado. E me usarei de exemplo, pra ninguém mais ser atacado com críticas.

Existe SIM cadeirante que fica em pé. Eu fico! Pode olhar no meu facebook, no meu instagram, na fan page, na academia e no jogo da Copa das Confederações do ano passado.  Eu preciso me apoiar em algum lugar (na grade, por exemplo) ou em alguém. E consigo me sustentar em pé por menos de 2 minutos. Ou seja, eu não vou conseguir me levantar rápido pra ver o lance que vai levar ao gol. Eu não consigo me levantar rápido se alguma coisa for cair na minha cabeça. Eu não consigo ficar em pé filmando ou fotografando o campo ou o jogo. Mas eu consigo ficar em pé sim! Aliás, eu preciso ficar em pé várias vezes durante o dia, pra aliviar a dor gigantesca na minha lombar. Eu tenho 1 ano e 8 meses de lesão (que completarei dia 22) e estou há 1 ano e 8 meses batalhando pra conseguir ficar em pé!  Então, eu vou ficar em pé no intervalo do jogo sim! E quero ver quem vai tirar minha foto e colocar nas redes sociais falando que sou cadeirante fake.

Eu não consigo andar. Não consigo me locomover, se não for em cadeira de rodas. Mas isso não quer dizer que eu passe 24 horas do dia sentada ou deitada. Apesar de representar uma pequena maioria entre os lesados medulares (sim, existe mais gente como eu, mas não quero citar nomes, pra proteger os meus amigos), existem lesados medulares que conseguem se manter em pé por segundos ou minutos, com ou sem apoio. E existem pessoas que são monoplégicas, existem pessoas com mobilidade reduzida, outros que usam prótese (como a moça loira da primeira foto). A variedade de “cadeirantes” é imensa.

Outro dia uma pessoa me disse “Você nem é cadeirante de verdade. Suas pernas não são tão finas.” Oi? Eu tenho espasmo! E muito! Vocês sabem o quanto isso dói e pode atrapalhar a minha vida? E eu tenho alguns movimentos de uma perna e eu nunca escondi isso de ninguém (por isso uma perna é mais grossa que a outra).

Uma ex-aluna, e hoje minha amiga, a Ana Carolina de Mello,  disse o seguinte sobre esse assunto: “Penso que para que alguém estar/usar este recurso, os motivos podem ser os mais variados, pode ser o pé quebrado, pode ser plegia com lesão medular a depender muito da lesão, pode ser uma dor e pode também ser uma atitude de má fé. Mas fiquei pensando nestes estereótipos que as pessoas fazem, principalmente quem não é/está/foi cadeirante, usando alguns recursos do senso comum e generalizando, algo como: “quem usa cadeira de rodas não se mexe, não fica em pé e não torce? Não vai ao jogo?” Fico pensando neste olhar assistencialista que estamos habituados a ter: ou temos pena ou julgamos. Poxa! Enquanto cidadãos e em especial enquanto Terapeuta Ocupacional, fico pensando neste espaço que “permitimos” que o outro habite, a partir do nosso julgamento e olhar, muitas vezes preenchidos de conceitos sem maiores críticas e aproximações com a realidade. Claro que podem ter pessoas usando disso para furar filas, ter espaços adaptados – pensando que ele não tem aquela necessidade, pois penso na equidade sempre. Não adianta distribuir óculos para toda população brasileira se nem todos precisamos deles não é?”

Assim sendo, não podemos julgar ninguém, nem falar nada sem antes conhecermos a verdade! Enquanto muitos estão realmente agindo de má fé, outros estão ali, como eu estarei, por direito adquirido (e não pense que foi gostoso adquirir esse direito). Estarei cantando, torcendo, gritando, vaiando, vibrando, em pé e sentada.  Vai me ver em pé no intervalo do jogo e me criticar? Senta aqui na minha cadeira, no meu lugar! Quer trocar? :p