Dani Nobile

Minha primeira travessia

Dia 22 de fevereiro eu completei 1 ano e 4 meses de lesão. Pra comemorar, eu resolvi dar um tchibum e fazer minha primeira travessia.

A decisão foi tomada em cima da hora. Estava esperando um voo e vi uma notícia sobre a travessia, na quarta-feira. Na quinta, cheguei em casa e resolvi dar uma olhada melhor. Era o último dia pra inscrição, pra prova que seria em 9 dias. Eu estava precisando de algo que me fizesse sair da areia movediça e que também me levasse de volta às piscinas. Apesar de estar há 4 meses sem treinar, fiz a inscrição. E seja o que Deus quiser!

Treinei 5 dias e descansei na véspera. Na noite da prova, fui deitar cedo. Acordei de madrugada pra ir ao banheiro e…meu celular desligou e não ligava mais! Ai jisuisis! Fiquei uma hora tentando religá-lo e “o resto das horas que me restavam” de sono, vigiando o celular pra ver se não ia desligar e me fazer perder a hora. Saí da cama 4h! Esperei a turma passar aqui pra me buscar e lá fomos nós. No caminho, de Ribeirão à Campinas, tentei descansar, mas não rolou. Chegamos lá, tudo é festa. Adrenalina a mil.

A Ju foi “pintar”  meu braço (ela usou outro termo. Acho que foi tatuar..Mas como boa iniciante, eu não me lembro!).Eu e a Amanda, minha amigona, também iniciante em travessia, bem animadinhas, posando com nossos números. E eu tava doidinha pra entrar na água. No meio daquela galera toda, vi alguns malacabados. Tinha cadeirante, amputado, deficiente visual, gente como a gente, de todo tipo.

Minutos antes da largada, alguns de nós nos reunimos no píer, pra esperar ajuda. Sim, pois a largada era no meio do barranco de terra. Depois da chegada, tinha uma escada. Como nossas cadeiras e muletas precisavam ficar na chegada, eles nos desciam pelas escadas e, depois, nos subiam. Mas o pessoal da organização estava preparado pra isso. Na hora de descer, o moço perguntou meu peso. Quando eu disse, ele riu “Levinha, tipo um saco de cimento.” Fiquei esperando ele me jogar no ombro, mas ufa! Não aconteceu!

Minha prova era às 8:30. A do Rodrigo e da Ju era 10:30. Eu ria e pensava “Tenho 2horas pra completar. Beleza.” Bóra, entrar na água!

Nadávamos até a largada e esperávamos por ali. A largada da nossa turma era junto com o juvenil. Uma garota cadeirante me perguntou se eu ia largar no meio da muvuca. Lóóógico que não. Deixa o povo ir. Eu vim pra completar! To sem pressa. Apitaram! A primeira coisa que eu pensei foi: “O que é que eu to fazendo aqui mesmo?”.

Beleza, olhei pra um lado, olhei pro outro. A maioria já foi. Agora eu vou. Dei umas dez braçadas e ganhei uma pesada na cara, de um menininho. Ah, que sensação  indescritível do pré-afogamento a uns 5 metros da largada. Beleza. Cabeça pra fora, dei uma olhada, se eu fosse mais pra direita, eu saía do meio do povo. Não adiantou muito, tinha tanto pé na minha frente, que eu fiquei meio atrapalhada e perdi aquele pique do começo. Mas tudo bem. Lá fui eu.

A primeira bóia parecia que não chegava nunca. Eu parei pra descansar umas duas vezes, boiando, mas continuava nadando de costas. Até que, depois de uma eternidade, que parecia meia hora (mas depois descobri que foram apenas alguns minutos), eu cheguei na primeira bóia. E quem disse que eu enxergava a segunda? Sol na cara, ansiosa, o fluxo de nadadores na minha frente diminuiu e meu óculos cheio de gotículas. O moço do caiaque chegou perto. Eu segurei nele, tirei o óculos e enxerguei a bóia. Ele olhou pra mim e disse: “Se você não estiver bem, você me chama que o barco vem e te leva de volta.” E eu disse:”Moço, você ta maluco? Eu vim pra terminar, não importa em quanto tempo.”  Olhei em volta e disse pra ele: “Eu to ficando muito pra trás. Que vergonha.” E ele olhou bem pra mim e falou uma coisa, que era o que eu sempre disse, mas o cansaço não me deixou raciocinar na hora: “Vergonha seria se você tivesse ficado em casa, no sofá.”

Lá fui eu, mirei a segunda bóia e bóra. Juro, juro pra vocês que eu delirava tanto, que eu achava que enxergava o fundo, bem pertinho de mim. Que doidera. Aí eu percebi que o “meu fundo” seguia um padrão, como se tivesse uma pedrinha a cada 10 respirações. Devia ser alucinação, falta de água bebível , sol na cabeça, sei la. Beleza. Mirei a próxima bóia, mas ninguém estava indo pra ela. Fui perguntar pros moços dos botes/caiaques..E vi que não tinha ninguém por perto. Fui nadando. Um tempão depois surge um moço, fazendo uma marola pra quase me afogar. Ele disse que era pra passar à esquerda daquela bóia e mirar a chegada. Vixi! A chegada ta longe pra caramba. O moço do caiaque tinha dito que a volta era mais fácil, porque a correnteza ajudava. Que correnteza? Acho que na minha vez ela cansou de trabalhar!

Então, depois de já ter parado pra descansar um total de  5 ou 6 vezes na prova, decidi ir até o fim sem parar. Não sabia como fazer isso, porque faltava cerca de 1/4 da prova (eu acho! Veja bem, eu já tinha tomado muito sol na cabeça e achava que já estava nadando há mais de 1hora, quando não devia fazer nem 20 minutos, de acordo com meu tempo final. Então, não dá pra confiar muito na minha noção de distância).

Quanto mais perto da chegada eu chegava, menos vontade de parar eu sentia, mas também tava cansada pra burro. Quando começou a ter bastante gente na margem, eu só conseguia ouvir gritos animados : “Vai Dani” “Força Dani” “Vamo Dani”. Era a Ju. Ela nem sabe o tanto que me ajudou naquele momento.

Até que enfim, depois do que eu achei que fossem as tais 2horas depois, mas não era nem meia hora, eu cheguei! Morrendo, olha a cara da pessoa! Mas eu consegui a sensação que eu tanto buscava. Aquela sensação, de apesar de estar passando por um momento complicado na minha vida, ter conseguido superar mais um desafio. A sensação de transpor mais um limite. A sensação de realizar um sonho, do qual eu vinha falando desde que eu estava no Sarah no ano passado. A sensação de estar cada vez mais perto do triathlon. Aquela adrenalina e toda  a endorfina, correndo no corpo inteiro. E não vou negar. Quando me sentaram na cadeira, e o Rodrigo e a mãe da Ju vieram me dar os parabéns e me ajudar, eu só conseguia chorar e repetir “Eu consegui! Eu não acredito que eu consegui!”