Como todo mundo já percebeu, depois do meu acidente, eu virei peixe (baleia não,por favor!), trocando as ruas e pistas de corrida pela piscina.
Segundo o site oficial do Comitê Paralímpico Brasileiro, a natação está presente no programa oficial de competições desde a primeira Paraolimpíada, em Roma (1960). Homens e mulheres sempre estiveram nas piscinas em busca de medalhas. O Brasil começou a brilhar em Stoke Mandeville (1984), quando conquistou um ouro, cinco pratas e um bronze. Nos Jogos Paralímpicos de Seul (1988) e nos de Atlanta (1996), os atletas trouxeram um ouro, uma prata e sete bronzes. Em Barcelona (1992), a natação ganhou três bronzes. Os Jogos de Sydney foram marcados pelo excelente desempenho da natação, que trouxe um ouro, seis pratas e quatro bronzes para o Brasil. Em Atenas, foram sete medalhas de ouro, três de prata e uma de bronze. No Parapan do Rio de Janeiro (2007) o Brasil ficou em segundo lugar geral da modalidade, perdendo para o Canadá, mas ficando na frente dos Estados Unidos. Foram 39 medalhas de ouro, 30 de prata e 29 de bronze.
Na natação, competem atletas com diversos tipos de deficiência (física e visual) em provas como dos 50m aos 400m no estilo livre, dos 50m aos 100m nos estilos peito, costas e borboleta. O medley é disputado em provas de 150m e 200m. As provas são divididas na categoria masculino e feminino, seguindo as regras do IPC Swimming, órgão responsável pela natação no Comitê Paralímpico Internacional.
As adaptações são feitas nas largadas, viradas e chegadas. Os nadadores cegos recebem um aviso do tapper, por meio de um bastão com ponta de espuma quando estão se aproximando das bordas. A largada também pode ser feita na água, no caso de atletas de classes mais baixas, que não conseguem sair do bloco. As baterias são separadas de acordo com o grau e o tipo de deficiência. No Brasil, a modalidade é administrada pelo Comitê Paralímpico Brasileiro.
O atleta é submetido à equipe de classificação, que procederá a análise de resíduos musculares por meio de testes de força muscular; mobilidade articular e testes motores (realizados dentro da água). Vale a regra de que quanto maior a deficiência, menor o número da classe. As classes sempre começam com a letra S (swimming) e o atleta pode ter classificações diferentes para o nado peito (SB) e o medley (SM).
(http://www.cpb.org.br/modalidades/natacao).
Minha escolha foi feita pois o investimento inicial no esporte seria baixo. Precisei apenas de uma touca, um maiô e óculos.
Devido a esse baixo investimento, muito atletas também escolheram a natação para começar. E acabam ficando nela, por falta de recursos financeiros. Mas isso também os faz nadar, nadar e não alcançar a borda,ou seja, os tão sonhados troféu, medalha, patrocínio ou reconhecimento no esporte.
Esse é o caso de uma grande amigo meu, o Thiago Sartor, lá de Santa Catarina. Quando decidi começar a nadar e fui liberada pelo médico, esse mocinho lindo me ajudou muito! Me deu várias dicas pra sair dos espaguettis, pra perder o medo de colocar a cabeça na água de novo, me incentivou, me ouviu, me aconselhou. Por isso, quando decidi falar da natação adaptada, não quis contar sobre mim, mas sobre ele! Então, deixa ele começar, né?!
“Sempre gostei de jogar futsal, futebol, não era aquele jogador excepcional, mas sempre fui esforçado e esbanjava força física. Cheguei a jogar três anos no campeonato amador da minha cidade. E foi nessa época que comecei a trabalhar, terminei o ensino médio, comprei uma moto e começava ficar mais ‘livre’. Ao completar 18 anos tinha o que qualquer garoto nessa idade sonha: tinha meu transporte próprio, recebia dois salários mínimos, sem custo de moradia ou comida, pois morava com meus pais. Saía quase 3x por semana, fora quando não ia a bares, sempre de moto. No mês de
Dezembro de 2008, eu saí dia 12, não dormi dia 13. E no domingo (14), não soube dizer não ao um convite para mais uma festa, mesmo cansao e com sono.
Era um torneio de laço, uma festa sempre tradicional aqui no Sul. Bebi, dei risada, beijei, dancei muito. Aproveitei a festa até o ultimo minuto. Aquela noite estava diferente. Eu me lembro de ir ao banheiro, e de olhar para o céu, uma chuva fina caindo no meu rosto. Pensei: “Nossa que sensação boa”. Tudo estava diferente. Aproximadamente 21h30min eu chamei meu amigo para irmos embora. Estava lúcido, mas com certeza alterado com a bebida que ingeri. Fui para pista, senti que ela estava molhada, mas não dei muita bola. Como era uma BR(Nunca tinha dirigido em uma BR), acelerei. Passei por um posto policial, vi as luzes da minha cidade – a última imagem que lembro antes do acidente. Depois disso devo ter dormido, pois só lembro de mato e galhos batendo em meus braços e meu amigo gritando: “Aonde tu está indo?” Foi quando ‘acordei’, soltei o acelerador e senti galhos batendo em meus braços, um estouro e uma forte batida na cabeça.
Depois disso fiquei acordado sem poder me mexer. Achei muito estranho, uma sensação esquisita, pois nunca tinha quebrado nenhuma parte do corpo, apesar de ser sempre ‘meio maluco’. Mal eu sabia que tinha quebrado três vertebras, e com a fratura, uma lesão forte e completa na medula, ocasionando uma perda parcial de movimentos e sensibilidade do peito pra baixo.”
Tá achando ruim? Olha só o que os médicos fizeram: “Fiz a primeira cirurgia, errada por sinal, com um médico muito despreparado da minha cidade (Lages-SC). Depois de quatro meses tive que ir a Florianópolis tirar todo o material e fazer outra, só que bem feita. Hoje tenho 10 parafusos em minha coluna, que dão sustentação a ela.”
E foi assim que Thiago entrou pro time dos cadeirudos e cadeirudas, apesar de a ficha dele demorar um pouquinho pra cair.
Então, adivinha pra onde o Thiago veio? Exato! Aqui onde me encontro no momento: Hospital Sarah Kubitschek. No início, Thiago achou que viria pra cá a fim de voltar a andar. Mas teve que aprender, como muitos que chegam aqui, que o objetivo do hospital não é operar milagres!
Porém, logo tudo mudou! Mas deixa o Thiago contar com as palavras dele:
“Na época de internação, conheci pessoas que mudaram minha vida, desde pacientes, mostrando que meu problema era pequeno perto do deles, até profissionais, como o Guigo (Guilherme Lopes) e o Fred (Frederico Ribeiro). Esses são dois profissionais de Educação Física, que me mostraram que eu poderia competir, poderia voltar a praticar esportes, só que, claro, com que me restou de movimentos: os BRAÇOS. No hospital conheci a canoagem, basquete e a natação. Escolhi o esporte mais difícil para um lesado medular com pouco equilíbrio, a natação. Em duas semanas treinando, e reaprendendo a nadar, o Guigo já me levou pra nadar no lago Paranoá, nunca bebi tanta água na minha vida. Na segunda vez, ele me fez nadar 600m de costas até uma ilha próximo ao hospital do lago norte. Uma sensação indescritível. Ali comecei a ver que só bastava ter força de vontade.”
Mas por que ele diz que escolheu o esporte mais difícil para um lesado medular?
“Voltei pra casa reabilitado. Já se passaram quatro anos do meu acidente. Hoje eu treino natação três vezes por semana. Conquistei mais de 40 medalhas, entre estaduais, regionais e sul-brasileiros na natação. Não sou um atleta de ponta por falta de incentivo, sempre conto com meu “paitrocínio” e também porque pra eu ser campeão brasileiro eu tenho que ser mundial e paralimpico, e estou na categoria do melhor paratleteta de todos os tempos, Daniel Dias. Por causa disso, de não ter muitas oportunidades, eu não consegui viver disso”
É, Thiago é um cara que mora numa região extremamente fria do país. Mas ele acorda cedo, as vezes com neblina e névoa. Vai pra uma piscina sem aquecimento, treinar antes de trabalhar! Isso é que é força de vontade! Mas, bater os índices do Daniel Dias é muito difícil! Então, apesar de tanto treino, esforço e disciplina, Thiago ficou no anonimato.
Perguntei se ele não gostaria de praticar outro esporte. A resposta foi óbvia: “Claro, Dani!”. Mas, então, o que falta? Foi o que disse, a natação é uma faca de dois gumes: é o esporte mais barato! Thiago gostaria de participar do basquete ou de corrida adaptada. Mas, pra isso, ele precisa de cadeiras específicas! E pensa que cadeira de rodas custa barato? Custa não!
E cadeiras pra praticar esporte chegam a custar o preço de uma moto.
E meu amigo continua aí, lutando, no anonimato, treinando firme e disciplinadamente. Aguardando o dia que ele possa ter uma chance, seja na natação, seja ganhando outra cadeira (Será que alguém quer ajudá-lo?) e partindo pra outro esporte! Mas pensa que ele fica triste por isso?
“Como não consigo viver de esporte, arrumei um emprego, sou Desenvolvedor de Software na maior empresa da Região no ramo. Vou me formar em Sistema de informação no fim do ano. Vou a boates, saio com meus amigos. Enfim, sou um cara realizado e cheio de vontade de viver. E agora, muito mais do que antes. Eu acredito em destino, e não imagino a minha vida sem as pessoas que me cercam hoje.”
Texto originalmente postado no blog Mãos pelos pés, no Running News